segunda-feira, 24 de outubro de 2016



DIA INTERNACIONAL DAS BIBLIOTECAS ESCOLARES

A biblioteca da Escola João Afonso de Aveiro comemorou este dia, com a participação e a exposição de trabalhos de promoção à sua biblioteca.
Deu-se também cumprimento à atividade "Deixa tudo e lê" e "Senta-te aqui e lê", com dois textos alusivos à estação outonal. 


Deixa tudo e lê… 24 de outubro

A lenda do Outono - 2.º ciclo

Era uma vez uma aldeia isolada, entre montanhas, onde vivia um velho sábio, com muita idade, e uma família enorme. Conta uma lenda desta terra que no tempo em que ele viveu, não havia previsões do tempo, nem rádios, nem televisões. Tudo se aprendia com o dia-a-dia, com a natureza, e sabiam muito bem quando terminava uma estação do ano, e começava outra, quando ia chover ou estar frio, sol, neve ou trovoada.
Um dia esse velho sábio reparou que ele e todos os seus familiares ficavam mais tristes no Outono e no Inverno, mas ele não gostava de se sentir assim, nem de ver os seus tristes.
Durante vários dias pensou como poderia melhorar… experimentou com eles dançar, cantar, fazer passeios a pé, festas e outras coisas novas. Tudo isso funcionava só durante algum tempo, mas depois tudo voltava ao mesmo. Ele queria algo com um efeito prolongado.
Pediu ajuda à Mãe Natureza, explicou-lhe como se sentiam e ela teve uma ideia. Falou com os seres que vivem nas nuvens e que as enchem de chuva, falou com artistas e com seres mágicos, explicou-lhes o que queria, e eles puseram mãos à obra.
Encheram várias nuvens com água colorida, sol e trovoada. O vento soprou essas nuvens e levou-as para essa aldeia. Depois, as nuvens abriram-se e despejaram toneladas de água… só que não era água da chuva, transparente, esta era colorida: em tons de verdes, amarelos, vermelhos, castanhos, roxos, e o sol também sempre presente.
Essa água cheia de cores espalhou-se por todo o espaço, caiu em cima das casas, e como todos os habitantes saíram para ver o que estava a acontecer, também levaram com a água colorida e o sol.
Sentiram uma grande felicidade por ver o sol e, mesmo quando ele não brilhava, eles experimentavam uma nova energia e alegria, principalmente quando viram que o milho estava a crescer muito rápido nos campos, as espigas a espreitar, as castanhas enormes penduradas nos castanheiros, as uvas carnudas e cheias de sumo a enfeitar as folhas e os frutos envolvidos nos arames, as romãs, as maçãs, as pêras e as abóboras a despertar da terra e nas árvores.
Todos os anos, a Natureza dava-lhes essa chuva de cores e esses produtos maravilhosos. Eles faziam festas para agradecer e começaram a perceber que essa era uma nova estação do ano... a Mãe Natureza disse-lhes que essa nova estação do ano se chamava Outono e vinha antes do Inverno.
Ainda hoje, muitas pessoas vão para essa montanha assistir ao regresso da estação e dar as boas vindas ao Outono, pois acreditam que ele vem de lá, outros acreditam tratar-se de uma lenda, e que o Outono é inventado pelos cientistas.
Se foi lenda, tem o seu fundo de verdade, não é? Vejam se descobrem a parte verdadeira do que diziam ser uma lenda. Isso mesmo… os produtos da terra, as cores e o tempo no Outono.
Que outras magias encontram no Outono? Também conhecem alguma lenda sobre o Outono? Qual?
                                                               Adaptado (27/Agosto/2015)




Deixa tudo e lê… 24 de outubro

        Lenda da Formosa Helena - 3º ciclo

Esta é uma história de outono. Do suave outono que, com a eclosão dos frutos, todos os anos torna os anseios de todos nós mais fundos, mais vivos, mais humanos...
Pois foi no outono (há tantos, tantos anos já, que a memória não os consegue contar...) que esta história começou. No outono e nas margens do rio Cabanelas, lá para os lados de Vinhais... Helena, a formosa Helena, de quem os poetas diziam que tinha nos olhos o brilho do mar e nos cabelos os reflexos dourados do Sol — Helena, filha de um poderoso rei cristão, deixava-se também contagiar pelas nostalgias outonais...
O único confidente que ela tinha era seu pai, tão forte no batalhar como sensato nos conselhos.
     — Oh, Senhor meu pai... Nem sei o que sinto... É uma vontade estranha de sonhar, estando acordada...
O velho rei, mais sabedor que sua filha dos segredos da vida e do tempo, respondeu apenas:
— Sabeis o que é, Helena?... É a primavera lutando contra o outono!... Vós sois a primavera, senhora minha filha — e que maravilhosa primavera!... Mas a vida que nos rodeia agora é o outono!
 É tempo de procurar o noivo por que a vossa alma anseia, minha filha.
Mas Helena, a formosa Helena, pareceu não compreender e retorquiu:
— Bem sabeis o que penso a tal respeito, Senhor meu pai... Nenhum dos pretendentes que me apontastes,  nenhum, escutai bem!... fez até hoje bater mais forte o meu coração. Talvez não exista a alma par da minha!
Mas logo o pai de Helena reagiu:
— Existe, minha filha!... Existe… e há-de aparecer! Só uma coisa receio, minha querida Helena! Receio... que no exagero da vossa escolha… vos possais enganar... Às vezes, minha querida Helena, aqueles que muito querem muito perdem!
A formosa Helena sorriu. Sorriso doce, onde havia algo de indefinido.
— Oh, Senhor meu pai, eu não quero muito... Quero apenas um homem que seja digno da minha beleza.
O velho rei, ponderado e sereno, sentenciou:
— Oxalá o encontres, minha filha!...  Amanhã, como sabes, realiza-se um torneio em tua honra... E encontram-se na corte cavaleiros de todo o mundo, qualquer deles desejoso de ser o escolhido pela mais formosa das princesas.
De facto, no dia seguinte teve lugar mais um torneio de cavalaria, presidido por Helena, a formosa Helena... O seu olhar, altivo e belo, passeava indiferente sobre aqueles que ansiavam por um gesto, por um sorriso... Mas de súbito, Helena, a formosa Helena, inclinou-se para o seu velho pai:
— Senhor… reparai naquele moço, além. Vedes?... Que distinto me parece! E que porte admirável!... Não achais? Gostaria de o conhecer, de lhe falar...
O velho rei limitou-se a dizer, num resmungo tolerante:
— Hum!... Mais um, entre tantos... Nada sei a seu respeito... Mas vou sabê-lo imediatamente.
Dali a pouco, o velho rei voltava com notícias fresquinhas para sua filha.
— Helena... Helena... Já sei o que querias saber!
Parou para tomar fôlego, mas ela mal o consentiu, de alvoroçada que estava.
— Dizei, Senhor meu pai, dizei depressa!
Então o velho rei, transformando em força a fraqueza da idade, esclareceu sem mais demora:
— Trata-se de um moço peregrino que vai a caminho da Cruzada. Ninguém sabe ao certo donde veio, mas todos temem a sua força e a sua destreza.
Helena voltou a olhar o campo de combate:
— Vede, Senhor meu pai, vede!... Olhai para ele! Acaba de derrubar o último adversário!... É maravilhoso!
Nessa noite, segundo conta a antiga lenda, ambos se encontraram no grande baile da corte. E logo o cavaleiro desconhecido se dirigiu a Helena, a formosa Helena.
— Senhora, permiti que deponha a vossos pés o meu triunfo… e sabei que somente o consegui pensando em vós!
A filha do velho rei cristão sentiu-se confusa. As suas palavras saíram breves, embaraçadas, ao sabor da excitação que a dominava.
— Agradeço-Vos, senhor... Vencestes os melhores batalhadores do meu reino...
E ele, espontâneo, continuou:
— Com a ajuda do vosso olhar, Senhora... Foi ele, só ele que me deu forças para vencer.
Helena fingiu querer mudar de conversa.
— Disseram-me que viestes de longe...
E o jovem cavaleiro, sem perder tempo, voltou a sublinhar.
— Eu vim de longe, de muito longe… apenas para vos ver e admirar e vós sois ainda muito superior a tudo quanto me dissera!
A partir desse instante, Helena, a formosa Helena, passou a viver apenas para o cavaleiro desconhecido.
O idílio entre ambos foi-se prolongando, dia após dia, noite a noite. Até que, certa manhã, o palácio acordou num doido sobressalto.
Desvairado, sem encontrar sua filha Helena, a formosa Helena, o velho rei clamava, numa fúria:
— Procurem minha filha, imbecis! Não, não é possível que esse miserável a tenha raptado! Não quero acreditar!... Para quê, se eles podiam ter casado aqui, e aqui ser felizes? Por tudo vos peço: não volteis sem trazer notícias de minha filha!... Darei a fortuna que me resta àquele que encontrar a minha bela Helena!
E eles foram, mas voltaram terrivelmente desiludidos.
Somente alguns se atreveram a contar a grande verdade ao seu velho rei: que o sedutor de Helena, a formosa Helena, por maior desgraça ainda, fora um jovem guerreiro mouro, habilmente disfarçado de peregrino.
O soberano exclamou:
— Que dizeis? Que ele era um aventureiro mouro… um príncipe infiel disfarçado de peregrino? Tendes a certeza, amigos?
O velho rei caiu de joelhos, clamando e chorando:
— Oh meu Deus, meu bom Deus!... Maior castigo eu não poderei receber!
 Quando a princesa Helena, a formosa Helena despertou,  já longe do palácio, e se viu conduzida à garupa do corcel do seu apaixonado, teve a terrível revelação do que lhe acontecia. E gritou, num impulso de vontade.
— Parai!... Parai!... Estais louco?
Mas o cavaleiro desconhecido limitou-se a rir calmamente e a dizer:
— Louco nunca estive, Senhora! Estais admirada decerto... Ficai sabendo que sou um príncipe mouro, inimigo da vossa religião. Mas desejo fazer-vos minha esposa!
De um salto, ela apeou-se do cavalo, desenvolta e raivosa.
— Nunca! Ouvistes bem? Nunca!
E sem que ele a pudesse segurar, Helena, a formosa Helena, correu para a ribanceira mais próxima, rolando por ela desvairadamente.
— Esperai! Esperai, Helena!... Que fazeis?
Mas era tarde. Perturbado, o cavaleiro olhou em redor. Teve a sensação de que era perseguido. Então, sem descer do cavalo, abalou dali à desfilada, convencido de que Helena, a formosa Helena, encontrara a morte lá em baixo, no fundo da ribanceira…
Porém, Helena não morreu. Por estranho prodígio e para salvação sua foi parar às águas tranquilas do rio Cabanelas... E, conforme se continua a contar de geração em geração, Helena, a formosa Helena, ali ficou a viver largos anos, envergonhada da sua triste aventura. Até que um dia, um súbdito de seu pai a descobriu e a levou de novo para o palácio, apresentando-a de surpresa ao velho soberano, que não se cansava de chorar a morte de sua filha.
De princípio, ele mal podia acreditar. O sorriso e as lágrimas misturavam-se no seu rosto.
— Mas será possível?... Será possível que Deus ouvisse as minhas súplicas?... Oh, meu Deus! Obrigado, mil vezes obrigado! Isto é um autêntico milagre dos Céus!
E correndo para a filha, e abraçando-a, e beijando-a, somente sabia repetir:
— Minha Helena, minha querida filha!... Um milagre!
Mas Helena vinha diferente. Não era mais a formosa Helena: era uma pobre mulher, roída de desgostos e saudades.
— Como vós tínheis razão, meu pai!... Fui bem castigada!
O velho rei olhava-a, quase sem a ouvir. Mirava-a da cabeça aos pés. E de súbito, perguntou:
— Helena, minha querida filha... Que fizestes do vosso colar... aquele colar tão lindo que era o meu encanto?
Ela suspirou. Suspirou devagarinho. A lembrar-se da sua infeliz aventura. E acabou por confessar, como que envergonhada:
— Oh, Senhor meu pai... Deixei-o nas águas do rio que me salvou... Ofereci-o às trutas que me deram de comer durante tantos e dolorosos anos…
E é talvez por isso que, ainda hoje, o povo das redondezas atribui ao colar de Helena, a formosa Helena, o sabor magnífico que têm as trutas pescadas no rio Cabanelas, lá para as bandas de Vinhais.

MARQUES, Gentil, Lendas de Portugal (adaptado), Lisboa, Círculo de Leitores, 1997 [1962], p. Volume III, pp. 227-232