COMEMORAÇÃO
DO CARNAVAL
DEIXA
TUDO E LÊ E SENTA-TE AQUI E LÊ
A equipa
da Biblioteca fez uma leitura muito animada do texto “A Cidade das Pessoas
Carimbadas”, relativa à atividade “Deixa Tudo e Lê” e “Senta-te Aqui e Lê”.
A cidade das
pessoas carimbadas adaptado de António
Cardoso Ferreira
"Era uma vez uma cidade
onde todas as pessoas tinham meia dúzia de carimbos estampados na cara: carimbos
de várias cores e diferentes marcam, escarrapachados na cara, no queixo ou nas
bochechas.
Havia
carimbos postos pelos pais aos filhos desde pequeninos, outros vinham dos
vizinhos, dos professores, dos médicos ou dos colegas de trabalho. Podiam ser
carimbos de muitas qualidades. Por exemplo, algumas crianças ficavam com um
carimbo azul que dizia que eram filhas de pessoas importantes e por isso deviam
também ser tratadas como pessoas importantes. Outras recebiam um carimbo
castanho a dizer que eram filhos de gente sem importância e não devia
dar-se-lhes nenhuma atenção especial porque iriam também ser gente sem
importância.
Algumas
crianças recebiam um carimbo dourado assinalando que na sua família havia
pessoas muito inteligentes e outras recebiam um carimbo roxo a avisar que
tinham nascido numa família de gente estúpida e por isso também elas iriam
reprovar na escola várias vezes.
Claro
que havia muitas outras qualidades de carimbos, para marcarem os doutores e os
ignorantes, os da direita e os da esquerda, os honestos e os aldrabões, os
putos e os viciados, fossem estes alcoólicos, toxicodependentes ou refugiados,
em suma pessoas "boas" e pessoas "más".
Uma
coisa importante é que aqueles carimbos, uma vez postos, ficavam para sempre e
havia pessoas que todos os dias se olhavam ao espelho várias vezes, avivavam
certos sinais e faziam por viver de acordo com os carimbos, bonitos ou feios,
que tinham na cara. Também havia gente que procurava disfarçar os sinais de
certos carimbos, mas por mais que as pessoas tentassem,
os outros continuavam a atirar-lhes à cara com os carimbos que lhes tinham
posto anteriormente e todos acabavam por se resignar a viver de acordo com os
carimbos que traziam.
Até
que um dia voou sobre aquela cidade o Anjo da Liberdade: é um anjo parecido com
uma nuvem, que atravessa o céu muito devagar como se fosse arrastado por uma
brisa.
O
Anjo da Liberdade olhou com atenção para aquelas pessoas e ficou triste porque
estavam todas presas aos carimbos que traziam, sem que ninguém tivesse coragem
para tentar mudar e, enquanto ia voando devagar, pensava em como podia ajudar
aquela cidade sem fazer batota, porque não sei se perceberam, mas os milagres
são uma batota, pois fogem às regras do jogo que é a vida… e o Anjo queria que
as pessoas fossem livres, que escolhessem o caminho de serem livres e varressem
as teias que as prendiam aos carimbos.
Então
o anjo descobriu: em vez de tentar fazer batota, podia baralhar e dar de novo
as cartas do jogo da vida. As pessoas que optassem depois.
Pediu
ajuda a outras nuvens para que fizessem cair sobre aquela cidade uma chuva
especial.
Estava-se
no mês de maio e costuma dizer-se que em maio a chuva cheira a rosas porque
traz consigo o perfume das flores, mas aquela chuva tinha um cheiro tão
agradável e tão intenso como as pessoas nunca tinham experimentado. Eram pingos
leves a cair devagar e apetecia, no calor morno da tarde, ficar ali, no meio
das ruas, praças e jardins, a saborear a chuva que caía ao longo de horas e
horas. Era uma sensação tão boa que as pessoas se chamavam umas às outras
porque tinham gosto que todas experimentassem aquela maravilha, e os avós
traziam os netos, os filhos iam buscar os pais, os amigos e os vizinhos e
quando a noite chegou todas as pessoas andavam cá fora à chuva, molhadas e
alegres. Trouxeram música, fizeram fogueiras, como na altura dos santos
populares, e toda a gente começou a dançar, a cantar e a viver a festa daquela
chuva fresca numa noite de maio.
E
as pessoas importantes dançaram com as pessoas sem importância e não se
importaram com isso. Tão pouco se importaram os puros e os inteligentes quando
cantaram de braços dados com os estúpidos, os toxicodependentes, os alcoólicos
e os refugiados - assim como também aconteceu que doutores e ignorantes,
honestos e aldrabões partilharam uns com os outros os comes-e-bebes, as danças
e as cantorias.
Assim
durou a festa até de madrugada, sem que ninguém se cansasse ou desistisse. Só quando o sol nasceu e
iluminou de novo a cidade é que as pessoas repararam, ao olharem umas para as
outras, que todos os carimbos tinham desaparecido das suas caras, lavadas pela
chuva.
E
puseram-se a rir à medida que percebiam que os carimbos não eram necessários e
que cada um tinha o direito de começar de novo, em cada dia, à procura de
construir o seu próprio caminho, sem que os carimbos lhe traçassem o destino. Era
possível ser diferente a partir de agora por muitos disparates que já tivessem
cometido. Por outro lado, os que tinham um passado com coisas boas, não se
podiam encostar a isso, porque, em cada dia novo, tinham de continuar a provar
a si próprios e aos outros que eram capazes de continuar assim...
Passado
algum tempo, o Anjo da Liberdade voltou a sobrevoar a cidade e sorriu de
alegria. É verdade que os carimbos continuavam a existir, mas estavam todos arrumados
no fundo das gavetas e ninguém lhes voltou a tocar.
Acaba
aqui a história da cidade das pessoas carimbadas que ficaram livres dos
carimbos.
Já
agora... Quando cada um de nós se vir ao espelho ou olhar para os outros na
rua, repare bem se há aí marcas de carimbos nas caras."
A Biblioteca sugere a leitura do livro “Um Sonho de Rapaz”, da autoria de Roberto Edgar Silva, aluno do 9.º
ano da Escola Básica e Secundária de Machico, na Madeira e Teresa Cláudia
Sousa, 1º prémio de Literatura Infanto juvenil Inclusiva, de 2014.